Nossa personalidade é o resultado do conflito entre duas forças opostas: o Id - força biológica, natural, procurando satisfazer os impulsos e desejos, e o Superego - força social, adquirida, procurando impedir a satisfação dos impulsos e desejos.
Nossa razão, ou nosso Ego, poderá harmonizar esse conflito por via natural. Porém, muitas vezes necessita de alguns mecanismos para resolver tal conflito. Chamamos de mecanismos de defesa os modos pelos quais o Ego vai buscar equilibrar essas duas forças opostas (Id e Superego) quando não consegue o equilíbrio por vias naturais. Os mecanismos de defesa, embora apresentem a realidade de maneira distorcida, ajudam a preservar nossa saúde mental.
No nosso dia-a-dia, passamos por várias situações que não desejamos, não respondemos quando desejaríamos, não agredimos como desejaríamos agredir ou não nos comportamos como gostaríamos de nos comportar. Acumulamos uma série de energias dentro de nós que terão que ser descarregadas de qualquer maneira, seja por vias naturais ou pelos mecanismos de defesa. o descarregar as energias acumuladas preservamos nossa saúde mental.
Por exemplo: Um indivíduo, ao acordar atrasado para uma importantíssima reunião e procurar uma determinada roupa, tem a surpresa de encontrá-la amassada, suja ou na máquina de lavar. Vem a explosão.
Aos gritos reclama: "eu não sei o que acontece nesta casa, todas as vezes que tenho um compromisso e procuro pela roupa que quero vestir, ela nunca está no lugar ou limpa. Esta casa está virando uma bagunça".
Sai de casa batendo portas. É óbvio que tudo o que ele disse foi para alguém que cuida destas tarefas, como mãe, empregada ou esposa. Nesse momento, o Id se manifestou. Na ida para o trabalho sente um certo remorso, pela explosão, pensando que não deveria ter agido daquela maneira, afinal, coitada, ela tem tantas coisas para fazer... É o superego se manifestando. Quando volta para casa, tentando resolver a situação, ou pede desculpas pelo ocorrido ou faz algum agrado para a pessoa com quem explodiu. É o Ego se manifestando.
No exemplo acima, o Ego não agiu por vias naturais, ele agiu utilizando-se de mecanismos de defesa. Por vias naturais, a pessoa vestiria outra roupa e iria embora sem "explodir" com ninguém.
Os mecanismos de defesa também nos ajudam a observar as resistências que as pessoas apresentam. Seguem abaixo alguns mecanismos de defesa:
Atos falhos (trocas) e lapsos (esquecimentos):
É comum termos enganos, trocarmos palavras, esquecermos objetos, atos que praticamos aparentemente sem querer e de modo explicável. Os atos falhos são causados pelos impulsos reprimidos que procuram se descarregar de qualquer modo. Ex.: Um profissional de informática referir-se ao aplicativo pelo nome do antigo, ou mesmo, esquecer comandos e instruções.
A psicanálise não aceita lapsos, falhas, esquecimentos ou enganos como justificativas de muitas coisas que fazemos. Os atos falhos devem ser atentamente observados, pois são sintomáticos, possuem um valor revelador de alguma coisa que a pessoa tenta ocultar.
É freqüente perdermos objetos que foram dados por pessoas de quem não gostamos, enganarmos com o itinerário ou perdermos a condução quando vamos aborrecidos a algum lugar.
Muitas vezes, esquecemos coisas porque, inconscientemente, associamos a pessoa ou situação atual a alguma experiência negativa do passado. Por exemplo: nosso colega de classe nos pede um livro emprestado e nós esquecemos de trazê-lo durante vários dias consecutivos e pensamos: "gosto dessa pessoa, por¬que esqueço ?". O problema não é esta pessoa, mas alguma característica física dela ou do contexto que o inconsciente asso¬cia a uma situação já vivenciada e mal resolvida que a faz esquecer. Há traços do passado marcando o presente o que nos levam a cometermos os atos falhos e nos fornecem indícios de que existem coisas dentro de nós que não foram bem trabalhadas.
Sonhos:
Muitos produtos do nosso inconsciente são liberados quando estamos dormindo, por meio dos nossos sonhos. Entre¬tanto, são conteúdos tão condenáveis que, para conseguirem se manifestar, precisam vir "camuflados".
Uma pessoa, por exemplo, que não pôde revidar quando foi injustamente repreendida pelo chefe, poderá sonhar que agrediu uma pessoa adulta ou que um colega agrediu seu chefe.
As imagens que aparecem nos sonhos e por meio das quais algumas vezes são relatadas, são chamadas de conteúdo manifesto e são as cenas do sonho que se consegue lembrar. Por trás do conteúdo manifesto de um sonho está seu conteúdo latente, que é a interpretação do que está por trás das imagens, que se obtém, em geral, pela interpretação psicanalítica. Os sonhos são "mascarados/camuflados" e, por trás deles estão vários conteúdos do inconsciente que não conseguimos compreender.
Fantasias:
É a capacidade de imaginar, criar algo diferente da realidade. É a capacidade imaginativa da pessoa em relação aos seus desejos. Uma visível manifestação da fantasia nos dias atuais refere-se à maioria das relações que se dá nas salas de bate-papo da Internet.
"A fantasia pode ser um conceito de extrema relevância para pensar as relações virtuais, estabelecidas entre os habitantes do ciberespaço, nos chats de conversação. Nestas relações não presentificadas e, portanto, anônimas, a adoção de um pseudônimo ou mesmo a construção de uma ou mais personagens para se comunicar com os outros são freqüentes” (Lanzarin, 2000, p.29).
A fantasia possibilita a realização de um desejo. Como as relações virtuais são anônimas e acorpóreas, possibilitam a vivência da fantasia e o exercício da criatividade. Ao se criar um personagem, projeta-se e transfere-se para ele os desejos ocultos. A criação do personagem pode ser consciente, mas os motivos que levam à criação daquele personagem, são inconscientes.
Intoxicação:
Em estado de intoxicação alcoólica, a pessoa consegue se soltar ou demonstrar tendências agressivas que ela própria desconhece, quando sóbria. Num momento de tensão, a pessoa consegue liberar, por meio do álcool, o Id. Satisfaz, em parte o seu Id, e justifica, perante o Superego, seu estado, que foi provocado pelo álcool (a intoxicação, como mecanismo de defesa, não se refere ao alcoólatra ou à pessoa viciada em droga, mas, sim, àquelas pessoas que ocasionalmente fazem uso do álcool ou droga). Por exemplo, numa festa de confraternização da empresa, um funcionário quieto e bem comportado pode beber, dizer ou fazer coisas jamais imaginadas por ele ou seus colegas.
Racionalização:
São pretextos ou desculpas socialmente aceitáveis que nós damos aos outros e principalmente a nós mesmos para nossas ações que, na realidade, foram motivadas pelos impulsos do Id.
Por exemplo: Passeando no shopping, a moça olha uma vitrine e vê um belo vestido (que aguça seu Id), mas o vestido custa quase o seu salário (o Superego é aguçado, pois ela tem que pagar a faculdade, comprar livros, e outras despesas urgentes). Num impulso, a moça entra na loja e compra o vestido. Justifica a si própria e aos outros dizendo que está cansada de comprar roupas baratas que viram trapo na primeira lavada. Comprou este, pagou caro, mas é para toda vida.
O usuário de informática que deseja contrariar o instrutor pode apresentar pretextos como "é muito caro, faltam algumas funções" só para não utilizar o software que o instrutor propôs.
A racionalização não é mentira. A mentira é consciente e, quando mentimos não tentamos convencer a nós mesmos, pois sabemos que tal fato não é verdade, a justificativa serve apenas para convencer o outro.
Ninguém se vê livre da racionalização, porém, quanto mais inteligente e mais dominadora for a pessoa, mais se valerá desse processo.
A finalidade da racionalização é manter o auto-respeito e reduzir as tensões resultantes da frustração e dos sentimentos de culpa.
Projeção:
É atribuir aos outros nossos próprios desejos e impulsos. São desejos que por alguma razão não podemos admitir em nós e acabamos por projetar em outras pessoas. A projeção influi consideravelmente no modo de se interpretar o comportamento de outras pessoas. Exemplos:
- O usuário pergunta ao instrutor se ele não tem uma maneira mais fácil de ensinar, quando na realidade é ele, usuário, que está com dificuldade de aprender.
- Pouco antes do término da aula, o professor diz: "vou parar por aqui porque vocês já estão cansados" (quando todos os alunos estavam prestando atenção e não reclamavam de cansaço). O professor projetou o próprio cansaço nos alunos.
- Um executivo acusa seus colegas de serem muito competitivos e não percebe que ele também é, às vezes, até mais que os seus colegas.
- Uma mulher que critica uma outra por suas roupas insinuantes, quando, na verdade, ela gostaria de usar tal roupa.
- Numa negociação, o fato da pessoa inconscientemente identificar no outro aspectos que não aceita em si mesma, pode impedir que a negociação aconteça, pois a projeção que está fazendo vai interferir na interpretação da proposta que está sendo feita pelo outro, objeto de sua projeção.
Reação de Conversão:
Muitas vezes, não conseguimos harmonizar os impulsos do Id com o Superego por meio de outros mecanismos. Então, o conflito entre essas duas forças vai se transformar em um sintoma físico, como dor de cabeça, perturbação digestiva, e outros. Na reação de conversão, aparecem todos os sintomas, mas testes e exames médicos não acusam nada. A doença é apenas psicológica. Os conflitos emocionais transformaram-se em sintomas físicos. Exemplos:
- Sentir fortes dores no estômago no dia da prova.
- A pessoa que resiste em aprender a utilizar o computador e apresenta problemas de visão só quando olha para a tela do computador.
- No dia da importante reunião, a pessoa não pode comparecer pois não pára de vomitar, sintoma este que desaparece após a reunião.
- Toda a vez que se marca um treinamento, o funcionário tem que se ausentar pois está com fortes dores de cabeça (que cessam quando o treinamento termina).
Doenças Psicossomáticas:
A má administração das emoções ou do estado emocional pode fazer com que realmente se crie uma doença. Não se tem apenas os sintomas, mas a doença também. Um exame clínico acusará, por exemplo, uma gastrite.
Sublimação:
É a satisfação dos impulsos e desejos de manei¬ra modificada ou transformada em atos socialmente aceitáveis. Os impulsos se manifestam sem ferir as conveniências sociais. A pessoa pode modificar o objeto (ou pessoa), a ação ou os dois. Exemplos:
- Um funcionário satisfaz seu impulso de agredir seu chefe dando um soco na mesa quando este sai da sala.
- O vendedor soca o telefone após discutir com o cliente (quando, na verdade, gostaria de socar o cliente).
- Insatisfeito com a nota, o aluno pica a prova (inconscientemente, quer "picar" o professor).
- Um rapaz sente um desejo natural de acariciar a moça que acabou de chegar. Satisfaz esse impulso acariciando a criança que está com ela.
- A moça ao sentir, inconscientemente, o desejo de acariciar o homem que acaba de entrar na loja, alisa a blusa que a balconista estava lhe mostrando.
- Um funcionário satisfaz seu desejo de bater em seu chefe, agredindo-o por meio de palavras.
- Usuário descarrega sua raiva batendo com força o teclado ou dá um tapa na mesa após um comando mal sucedido.
Segundo Sigmund Freud , a sublimação tem importante papel no desenvolvimento do homem civilizado e nas realizações culturais. É o mecanismo de defesa mais recomendado.
Os mecanismos de defesa ajustam o indivíduo, desde que não sejam utilizados em excesso. Do contrário, em vez de serem úteis, tornam-se prejudiciais. A utilização prolongada e inconsciente pode ser funesta ao ajustamento individual, afastando a pessoa da realidade objetiva e impedindo-a de enfrentar produtivamente o problema, pois o Ego baseia-se no princípio da realidade, mas, ao usar os mecanismos de defesa, apresenta uma realidade distorcida.
É importante observar que os mecanismos de defesa são sempre inconscientes. Quando estamos negociando com uma pessoa e percebemos que ela está usando qualquer mecanismo de defesa, podemos deixar a negociação para uma outra oportunidade, pois, nesse momento, pela defesa, a pessoa passa não ouvir o que temos a dizer.
No cotidiano, geralmente usamos mais de um mecanismo defesa para uma situação. Por exemplo:
- "Não consigo uma promoção, mas sei porque. É o chefe que não gosta de mim".
"O chefe não gosta de mim" - projeção, seguida de racionalização "não consigo uma promoção". Em circunstâncias normais, quando o chefe não gosta de um funcionário, ele o demite ou o transfere para outro setor. Neste caso, é o funcionário que não gosta do chefe e projeta como se fosse o chefe que não gostasse dele. Esta passa a ser a desculpa que ele dá aos outros e principal¬mente a si próprio sobre o fato de não conseguir a promoção.
- Marta teve um dia aterrorizante. Começou pela manhã quando derrubou café na roupa. Por um erro de digitação num relatório, seu chefe a humilhou perante os colegas. Mais tarde, um colega que deveria passar uns dados para que pudesse terminar uma planilha não o fez e novamente seu chefe lhe chamou a atenção, sem dar-lhe oportunidade de se defender. Foi para a casa, brigou com a mãe porque o jantar estava frio. Procurou sua blusa de lã verde e não a encontrou. Seu irmão, que acabava de chegar, estava com a blusa. Ela lhe deu um tapa e arrancou-lhe a blusa.
a) Ato falho = erro na digitação (alguma associação com situações já vivenciadas no passado provocou o erro),
b) Sublimação por ação e objeto = não consegue descarregar a raiva no chefe e a descarrega na mãe (muda o objeto, portanto, sublimação por objeto); não agride fisicamente (muda a ação) e, sim, reclama do jantar.
c) Sublimação por objeto = não consegue descarregar a raiva no chefe e a descarrega no irmão (muda o objeto, portanto, sublimação por objeto). A ação não foi sublimada, pois ela manteve a reação impulsiva, bateu no irmão.
Obs.: Sublimação por ação: ocorreria se Marta tivesse discutido com o chefe, pois manteria o objeto (descarregaria em quem a irritou, ou seja, o próprio chefe), mas sublimaria a ação (em vez de agredi-lo fisicamente, agrediria por palavras).
- "Errei os dados. Mas, também, como poderia me concentrar se a cada cinco minutos o telefone toca e cada um que passa por minha mesa pede uma informação?"
Ato falho (quando erra os dados) seguido de racionalização, quando se justifica.
A contribuição da Psicanálise para a Psicologia das Organizações se dá ao mostrar como as pessoas se defendem e como essas defesas podem barrar uma negociação. A maneira pela qual uma pessoa se defende mostra muito do que ela é e como ela lida com a realidade objetiva. "Inseguranças inexplicáveis diante de obstáculos, motivações objetivamente inexplicáveis, desajustamentos aparentemente injustificáveis podem trazer atrás de si uma história de experiências desagradáveis que passaram para o domínio do inconsciente, mas que continuam, mesmo esquecidas atualmente, a determinar a maneira de ser do funcionário-problema" (Bergamini, 1992, p.57).
Alguns problemas de produtividade ou de relacionamento dentro das organizações são decorrentes de produtos armazenados no inconsciente. Muitos administradores dão férias ou licença para funcionários que apresentam esses problemas, acre¬ditando que é algo passageiro. Estão apenas lidando com o sintoma e não com a causa. Bons funcionários que começam a adoecer sem problemas de ordem física ou pessoas que racionalizam em excesso, geralmente estão enquadradas nestes casos.
A Psicanálise também ajuda a ler o comportamento de uma nação a partir da construção do aparelho psíquico. Conhecendo as leis e o comportamento moral estabelecido por um determinado país, identificamos a construção de seu superego e saberemos como nos comportar em relação a esse país.
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Princípios da personalidade ou instâncias psíquicas
Palavras-chave: Psicologia na administração.